Vida desolada de Jesus Cristo

Vida desolada de Jesus Cristo

Vida desolada de Jesus Cristo

Magna est velut mare contritio tua. Quis medebitur tui? – “É grande como o mar o teu desfalecimento; quem te remediará?” (Lm 2, 13)

Sumário. A vida do Redentor foi destituída de qualquer consolação; porquanto os suplícios que devia sofrer até à morte eram-Lhe em todo tempo presentes. O que, porém, O afligia não era tanto esta previsão, como a vista dos pecados que os homens haviam de cometer e a eterna perdição que dali havia de provir. Quando nos acharmos em desolação, animemo-nos unindo a nossa desolação à de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, lembremo-nos de que pelos nossos pecados temos também concorrido para afligir e contristar o seu amabilíssimo Coração.

I. A vida do nosso amantíssimo Redentor foi toda repleta de desolação e destituída de qualquer alívio. A vida de Jesus foi como um imenso oceano de amargura, sem uma só gota de doce consolação: A tua tristeza é grande como o mar. O mesmo Senhor revelou um dia à Santa Margarida de Cortona que em toda a vida jamais teve consolação alguma sensível. A tristeza que Jesus no horto de Getsêmani declarou que chegou a tal extremo que bastava para Lhe tirar a vida, não foi só nessa ocasião que O oprimiu; angustiou-O desde o primeiro instante de sua encarnação; porquanto desde então eram-Lhe presentes todas as penas e ignomínias que devia sofrer até a morte.

O que, porém, Lhe causou essa aflição contínua e suprema, não foi tanto a previsão do que devia sofrer, como a vista de todos os pecados que os homens cometeriam. Ele viera afim de, pela sua morte, tirar os pecados do mundo e livrar as almas do inferno, e via todas as iniquidades a serem praticadas na terra apesar de sua morte; e cada qual, vista por Ele distintamente, afligia-O imensamente, diz São Bernardino de Sena. Foi esta a dor que Lhe estava sempre diante dos olhos e lhe causou incesssante tristeza: Dolor meus in conspectu meo semper (1).

Diz Santo Tomás que a vista dos pecados dos homens e da perdição de tantas almas, causou a Jesus uma dor que excedia a de todos os penitentes, mesmo daqueles que morreram de pura dor. — Foram grandes os sofrimentos dos santos mártires: cavaletes, unhas de ferro, couraças feitas em brasa; porém, os seus sofrimentos foram suavizados por Deus com doçuras interiores. Mais doloroso do que o martírio de todos os mártires foi o de Jesus Cristo; pois que a sua dor e tristeza foi dor pura e tristeza pura, sem o mais pequeno alívio. A grandeza da dor de Jesus Cristo, escreve o Doutor Angélico, avalia-se pela pureza de sua dor e tristeza: Magnitudo doloris Christi consideratur ex doloris et maestitiae puritate.

II. Tal foi, portanto, toda a vida do divino Redentor, e tal também a sua morte; sem consolação alguma. Quando estava agonizando sobre a cruz, sem o menor alívio, esperou se alguém o consolava e não achou: Sustinui qui consolaretur, et non inveni (2). Não achou senão zombadores e blasfemadores. Um dizia: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz”; outro acrescentava: “Ele salvou a outros, a si mesmo não se pode salvar” (3). — Pelo que nosso aflito Senhor, vendo-se abandonado de todos, se dirigiu ao Pai Eterno; vendo, porém, que este também o tinha abandonado, queixou-se docemente exclamando em voz alta: “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” — Ut quid dereliquisti me? (4)

É assim que terminou a vida de Nosso Salvador, que morreu, conforme a profecia de Davi, abismado num oceano de ignomínias e de dores — Veni in altitudinem maris, et tempestas demersit me (5). — Quando nos acharmos desolados, consolemo-nos com a morte desolada de Jesus Cristo, ofereçamos-Lhe a nossa desolação, unindo-a àquela que por nosso amor sofreu o inocente Jesus no Calvário. E lembremo-nos ao mesmo tempo que, pelos nossos pecados, temos concorrido para aumentar a aflição e desolação desse Coração amabilíssimo.

Ah meu Jesus, quem Vos não amará vendo-Vos tão abandonado e exausto de dores afim de pagardes por nossos pecados? Sou eu um de vossos algozes, pois que Vos contristei durante toda a vossa vida pela vista de meus pecados. Mas já que convidais à penitência, deixai-me experimentar ao menos uma parte da aflição que Vós em Vossa Paixão sentistes pelos meus pecados. Como poderei ainda correr atrás dos prazeres depois de Vos ter causado em vossa vida tamanha tristeza pelos meus pecados? Não, não Vos peço satisfações e delícias; peço-Vos lágrimas e arrependimento. Fazei que no tempo de vida que me resta, eu viva chorando as mágoas que Vos causei. Abraço-me com os vossos pés, ó meu Jesus crucificado e desolado e assim quero morrer. — Ó Mãe das dores, rogai a Jesus por mim.

Referências:

(1) Sl 37, 18 (2) Sl 68, 21 (3) Mt 27, 40-42 (4) Mt 27, 46 (5) Sl 68, 3

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 110-113)

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