Só em Deus se acha a verdadeira paz
Meditação para o 2º Domingo depois da Páscoa
Venit Iesus, et stetit in medio, et dixit eis: Pax vobis – “Veio Jesus, e pôs-se no meio e disse-lhes: A paz seja convosco” (Jo 20, 9)
Sumário. Assim é: só em Deus se acha a verdadeira paz; porque, tendo Deus criado o homem para si, o Bem infinito, só Ele pode fazê-lo contente. Quem quiser gozar esta paz, deve repelir de seu coração tudo que não seja Deus, que feche as portas dos sentidos a todas as criaturas e viva como que morto aos afetos terrestres. É isto exatamente o que o Senhor quis dar a entender aos apóstolos, quando, aparecendo para lhes anunciar a paz, quis ambas as vezes entrar aonde estavam os apóstolos, estando as portas fechadas..
I. Refere São João que, achando-se os apóstolos juntos numa casa, Jesus Cristo ressuscitado entrou ali, posto que as portas estivessem fechadas, e pondo-se no meio, disse-lhes duas vezes: A paz seja convosco. Repetiu as mesmas palavras oito dias depois, aparecendo-lhes mais uma vez, estando fechadas as portas. Pax vobis — “A paz seja convosco”. — Com estas palavras quis Jesus Cristo dar-nos a entender “que Ele é a nossa paz; Ele que dos dois fez um, desfazendo em sua carne, com o sacrifício de sua vida, o inconsistente muro de separação, as inimizades”. (1)
Com efeito: só em Deus se acha a verdadeira paz; porque, tendo Deus criado o homem para si mesmo, o Bem infinito, só Ele pode plenamente satisfazê-lo. Delectare in Domino, et dabit tibi petitiones cordis tui (2) — “Deleita-te no Senhor, e te outorgará as petições de teu coração”. Quando alguém acha as suas delícias só em Deus e não busca coisa alguma fora d’Ele, Deus cuidará em satisfazer-lhe todos os desejos do coração.
Insensatos portanto são aqueles que dizem: Bem-aventurado o que pode gastar dinheiro à vontade! Que pode mandar nos outros! Que pode gozar os prazeres que deseja. Loucura! Bem-aventurado é somente o que ama a Deus, o que diz deveras que Deus só lhe basta. A experiência demonstra bem patentemente, que muitos dos que o mundo chama felizes, por grandes que sejam as suas riquezas e altas as suas dignidades, todavia levam vida infeliz, nunca estão contentes, jamais gozam um dia de verdadeira paz. Ao contrário, tantos bons religiosos que vivem num deserto ou numa gruta, sujeitos a enfermidades, à fome, ao frio, estão contentes e exultam de alegria. E porque? Porque eles só se ocupam com Deus, Deus os consola. Ah! A paz que o Senhor faz provar a quem O ama, está acima de todas as delícias que o mundo pode dar! Pax Dei quae exsuperat omnem sensum (3).
II. Gustate et videte, quoniam suavis est Dominus (4) — “Provai e vede quão suave é o Senhor”. Ah, mundanos! Exclama o Profeta, porque desprezais a vida dos santos, sem que a tenhais experimentado? Experimentai-a uma só vez: afastai-vos do mundo, dai-vos a Deus, e vereis quanto melhor sabe Ele consolar-vos do que todas as grandezas e delícias que andais procurando para vossa perdição. — Verdade é que também os santos sofrem na vida presente grandes tribulações; mas com a resignação à vontade de Deus, nunca perdem a paz. Numa palavra, eles estão acima das adversidades e vicissitudes deste mundo, e por isso vivem sempre numa tranquilidade imperturbável.
Mas quem quiser estar sempre unido com Deus e gozar continua paz, deve banir do coração tudo que não seja Deus, guardar as portas dos sentidos fechadas a todas as criaturas e viver como que morto aos afetos terrestres. É exatamente o que o Senhor quis dar a entender, quando, na aparição aos apóstolos, entrou duas vezes, como narra o Evangelho, estando fechadas as portas: cum fores essent clausae. “Em sentido místico”, explica Santo Tomás, “devemos aprender disso que Jesus Cristo não entra em nossas almas enquanto não tivermos fechado as portas dos sentidos.”
Pai Eterno, pelo amor de Jesus Cristo, ajudai-me a romper todos os laços que me prendem ao mundo. Fazei com que eu não pense em outra coisa senão em Vos agradar. Felizes daqueles a quem só Vós bastais! Senhor, dai-me a graça de não buscar nada fora de Vós e de não desejar senão o vosso amor. Por vosso amor renuncio também as consolações espirituais. Nada mais desejo senão cumprir a vossa vontade e dar-Vos gosto. “Fazei, ó Deus todo poderoso, com que havendo concluído a celebração das festas pascais, pela vossa graça conserve, na vida e costumes, o espírito das mesmas.” (5)
— Ó Mãe de Deus, Maria, recomendai-me a vosso Filho, que não vos nega nada.
Referências:
(1) Ef 2, 14 (2) Sl 36, 4 (3) Fl 4, 7 (4) Sl 33, 9 (5) Or. Dom. curr.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 19-21)
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