Pena de dano que os réprobos sofrem no inferno

Pena de dano que os réprobos sofrem no inferno

Pena de dano que os réprobos sofrem no inferno

Derelinquam eum, et abscondam faciem meam ab eo… invenient eum omnia mala – “Eu o deixarei, e esconderei dele meu rosto… todos os males virão sobre ele” (Dt 31, 17)

Sumário. Não são as trevas, a infecção, os gritos, o fogo, que constituem o inferno; o que faz o inferno é a dor de ter perdido a Deus e de não O poder amar. Aparta-te (dirá o Juiz à alma na sentença final), aparta-te de mim; não te quero mais ver. Tu não mais serás minha, nem eu serei nunca mais teu. Ó separação amarga!… Quem sabe, meu irmão, se esta pena tão terrível não nos está reservada também? Fascinados como estamos pelos bens terrestres, não a compreendemos agora, mas experimenta-la-íamos, se um dia tivéssemos a desgraça de nos perder.

I. Todos os sofrimentos dos réprobos no inferno não são nada em comparação com a pena de dano. Não são as trevas, a infecção, os gritos, o fogo, que constituem o inferno: o que faz o inferno é a dor de ter perdido a Deus e de não mais O poder ver nem amar. É o que um dia o demônio disse quando Santa Catarina de Gênova lhe perguntou quem era: “Eu sou aquele”, respondeu, “que está privado de amor de Deus”.

– Pelo que São João Crisóstomo diz que mil infernos não podem igualar esta perda; que mil infernos nada seriam em comparação com a pena de estar longe de Deus e ser odiado por Ele. Santo Agostinho acrescenta que os condenados, se gozassem a vista de Deus, deixariam de sofrer e o inferno tornar-se-ia paraíso: Ipse infernus verteretur in paradisum.

Fascinados como estamos pelos bens da terra, não podemos compreender o que seja o estar privado para sempre da presença de Deus, mas para fazermos uma leve ideia deste tormento, arrazoemos assim: Se alguém perdesse uma pedra preciosa no valor de 100 mil reis, sentiria grande mágoa; se tivesse o valor de 200 mil reis, a mágoa seria dobrada; maior ainda seria, se o valor fosse de 400 mil reis; numa palavra, a mágoa cresceria sempre em proporção do valor do objeto perdido. E qual é o bem que o réprobo perde? Um bem infinito, que é Deus; portanto, conclui Santo Tomás, a pena que esta perda lhe causa, é de algum modo infinita.

Todo o inferno está, pois, nestas primeiras palavras da sentença final: Discedite a me, maledicti – Retirai-vos, malditos, não quero que me torneis a ver a face. – Se ouvíssemos os gemidos de uma alma condenada, e lhe perguntássemos: Ó alma, porque estás gemendo tanto? Ela só teria esta única resposta: Estou gemendo, porque perdi meu Deus e nunca mais o tornarei a ver. Esconderei dele meu rosto; todos os males virão sobre ele.

II. Quando Davi condenou Absalão a não mais se apresentar diante dele, o jovem príncipe ficou tão aflito que respondeu: “Dizei a meu pai que me dê licença de o ver, ou que me mande matar.” (1) A um fidalgo de sua corte, que se tinha portado com pouco respeito na igreja, disse um dia Filipe II: “Não compareças mais em minha presença.” O cortezão retirou-se para casa tão consternado, que morreu de pesar. Que será então, quando, na hora da morte, Deus dizer ao réprobo: “Aparta-te; não te quero mais ver; nunca mais serás meu e eu nunca mais serei teu!Voca nomem eius, non populus meus (2) – “Chama-lhe pelo seu nome: Não-meu-povo”.

Vós sois, meu Deus, o soberano Bem, o Bem infinito, e quantas vezes Vos perdi eu voluntariamente! Sabia que pelo meu pecado Vos ofendia gravemente, e no entanto o cometi! Ah, se não Vos visse pregado na cruz a morrer por mim, já não teria mais coragem para Vos pedir e esperar o perdão. A esta hora deveria estar no inferno, já há muitos anos, sem esperança de poder ainda amar-Vos e de recuperar a vossa graça perdida. Meu Deus mais do que todos os males detesto a injúria que Vos fiz, renunciando à vossa amizade e desprezando o vosso amor, por indignos prazeres da terra. Porque não morri antes mil vezes? Como pude ser tão cego e tão insensato?

Agradeço-Vos, meu Senhor, por me concederdes o tempo para reparar o mal que fiz. Já que, pela vossa misericórdia, estou ainda fora do inferno e Vos posso amar, quero amar-Vos, meu Deus. Nem por um só instante quero adiar a minha conversão. Amo-Vos, bondade infinita, amo-Vos minha vida, meu tesouro, meu tudo. Meu Jesus, lembrai-me sempre o amor que me haveis tido e o inferno em que devia estar, afim de que este pensamento me anime incessantemente a fazer atos de amor e a dizer-Vos: eu Vos amo, eu Vos amo.

– Ó Maria, minha Rainha, minha Esperança e minha Mãe, se estivesse no inferno, já não poderia amar-Vos. Amo-Vos, minha Mãe, e em vós espero nunca deixar de vos amar, a vós e a meu Deus. Ajudai-me; rogai a Jesus por mim.

Referências:

(1) 2 Rs 14, 25 (2) Os 1, 9

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 311-314)

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