O encarceramento de João e a utilidade das tribulações

O encarceramento de João e a utilidade das tribulações

O encarceramento de João e a utilidade das tribulações

2º Domingo do Advento

Ioannes autem cum audisset in vinculis opera Christi… – “Como João, estando no cárcere, tivesse ouvido as obras de Cristo…” (Mt 11, 2)

Sumário. É muito grande a utilidade que nos trazem as tribulações. O Senhor no-las envia para em seguida nos enriquecer com as melhores graças. Considerai, com efeito, que São João, estando encarcerado, chega a conhecer as obras de Cristo, e recebe dele os mais elevados elogios. No tempo das tribulações, em vez de nos lastimarmos, abracemos a cruz com resignação e com ação de graças.

I. É no tempo das tribulações que Deus enriquece as almas, suas prediletas, com as graças mais copiosas. Vede São João Batista, que entre as correntes e as angústias do cárcere chega a conhecer as obras de Jesus Cristo, recebe da boca de Jesus os elogios mais honrosos de homem forte, de penitente austero, de maior dos profetas, e é apontado e tido como o Anjo do Senhor, destinado a preparar-lhe o caminho: Praeparabit viam tuam ante te. Bem apreciáveis são, portanto, as utilidades que as tribulações nos trazem, e o Senhor no-las envia não porque nos quer mal, mas porque nos quer bem.

Qui non est tentatus, quid scit? (1) – “Quem não foi tentado, o que sabe?”. Quem vive na prosperidade e nunca tem experimentado a adversidade, nada sabe acerca do estado da sua alma e será molestado com muitas tentações de soberba, de vanglória, de cobiça de mais riquezas, de mais honras, de mais prazeres. Ora, de todas estas tentações livram-nos as adversidades, ao mesmo tempo que nos fazem humildes e contentes no estado em que aprouve ao Senhor colocar-nos. – Ademais, elas desvendam-nos os olhos que a prosperidade tinha vendado; e se somos pecadores, não somente reduzem-nos, como outrora o filho pródigo, aos pés de nosso Pai celestial, mas ainda nos farão satisfazer pelos pecados cometidos, muito melhor do que o fariam todas as penitências por nós livremente escolhidas. Eis a razão por que Santo Agostinho repreende o pecador que se lamenta das tribulações enviadas por Deus e lhe diz: Meu irmão, quem te dera compreender que remédio eficaz são as tribulações para curar as chagas que te feriram os pecados!

Se somos justos, as tribulações nos desprendem o coração das coisas da terra, visto que não achamos nelas senão amarguras. Afeiçoam-nos aos bens do céu, onde se acha a verdadeira felicidade, fazem-nos frequentemente lembrados de Deus e obrigam-nos a recorrer a sua misericórdia, ao vermos que só Ele nos pode aliviar das nossas misérias. – Mas, o que mais é, as tribulações fazem-nos ganhar grandes tesouros de méritos junto de Deus, fornecendo-nos ocasião para praticar as virtudes que lhe são mais caras, tais como a humildade, a paciência, a conformidade com a vontade divina, etc.

Numa palavra: são tais e tantas as vantagens das tribulações, que São Thiago chega a chamar bem-aventurado àquele que as sofre com paciência: Beatus vir qui sufferi tentationem (2).

II. Aquele que vive nesta terra em tribulações, tem nisso um sinal certo de que é querido de Deus, e tanto mais querido, quanto mais graves elas forem. “Porque eras aceito a Deus, foi necessário que a tentação te provasse”, disse o anjo a Tobias (3). Jesus disse o mesmo mais claramente a Santa Teresa: “Minha Filha”, disse-lhe, “as almas mais queridas de meu Pai são aquelas que sofrem padecimentos mais graves”. A Santa, pois, animada deste espírito, costumava dizer que não quisera trocar os seus sofrimentos por todos os tesouros do mundo.

Deste mesmo espírito nós também devemos estar animados, se quisermos chegar um dia ao paraíso e ser glorificados como santos. – Bem longe de nos lamentarmos nas tribulações, abracemo-las dando graças a Deus; aceitemo-las não somente conformando-nos com a vontade divina, mas alegrando-nos por Deus nos tratar como tratou a Jesus Cristo, o Homem de dores, e Maria Santíssima, a Rainha dos Mártires. Digamos muitas vezes com Jó: Si bonna suscepimus de manu Dei, mala quare non suscipiamus? (4) – Se de boa vontade tenho recebido da mão de Deus os bens (a prosperidade terrestre) porque não receberei com mais satisfação os males (as tribulações) que me são muito mais vantajosas do que a prosperidade? Faça o Senhor de mim e de tudo o que é meu segundo a sua vontade e seja sempre bendito o seu santo nome: Sit nomen Domini benedictum (5).

Assim quero fazer, ó meu Deus. Mas Vós, que conheceis o meu nada, confortai-me com a vossa Santa graça, e “excitai o meu coração a preparar os caminhos para o vosso Filho unigênito, afim de que, pela sua vinda, possa servir-Vos pura e sinceramente” (6) Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo. + Doce Coração de Maria, sede minha salvação. (7)

Referências:

(1) Eclo 34, 9 (2) Tg 1, 12 (3) Tb 12, 13 (4) Jó 2, 10 (5) Jó 1, 21 (6) Or. Dom. occurr. (7) 300 dias de indulgência cada vez

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 25-28)

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