Do amor a Deus

Do amor a Deus

Do amor a Deus

Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo — “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração” (Mt 22, 37)

Sumário. Entre todos os amigos do mundo, onde encontraremos um mais fiel, mais amante do que Deus? Amemo-lo, pois, conforme o seu desejo, de todo o coração, e agradeçamos-lhe muitas vezes o obséquio que nos fez chamando-nos a seu amor. Estejamos certos de que Jesus Cristo não se deixará vencer em amor, e recompensará, cem por um, o que fizermos por amor dele. Cada ato intensivamente perfeito de amor para com Deus, faz-nos adquirir um novo mérito igual a todos os méritos dantes adquiridos.

I. É um favor especialíssimo, diz Santa Teresa, o que Deus dispensa a uma alma, quando a chama a seu amor, e já que nos chamou a seu amor, amemo-lo assim como ele quer ser amado: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração. O Venerável Padre Luiz da Ponte tinha vergonha de dizer a Deus: “Senhor, amo-Vos sobre todas as coisas; amo-Vos sobre todas as criaturas, sobre todas as riquezas, sobre todas as honras e prazeres terrenos”; era-lhe como se dissesse: Meu Deus, amo-Vos mais que a palha, a fumaça, o lodo. Deus, porém, já está satisfeito, se o amamos sobre todas as coisas. Digamos-lhe, pois, ao menos: Sim, meu Senhor, amo-Vos mais que as honras terrenas, mais que as riquezas, mais que a todos os meus parentes e amigos; amo-Vos mais que a saúde, mais que a minha glória, mais que a ciência, e mais que todas as minhas consolações; numa palavra, amo-Vos sobre todas as coisas e mais que a mim mesmo.

Acrescentemos ainda: Senhor, estimo muito vossas graças e vossos dons; mais, porém, do que vossos dons, amo a Vós, que só sois uma bondade infinita, e um bem infinitamente amável, superior a qualquer outro bem. Por isso, ó meu Deus, tudo que me quiserdes dar, que não seja Vós mesmo, não me satisfaz; se Vos derdes Vós mesmo a mim, Vós só me bastais. Busquem outros o bem que quiserem; eu não quero buscar senão a Vós, meu amor, meu tudo. Em Vós acho tudo quanto possa achar e desejar.

Dizia a sagrada Esposa que entre todas as coisas tinha escolhido o amor a seu amado: Dilectus meus candidus et rubicundus, electus ex millibus (1) — “O meu amado é cândido e rubicundo, escolhido entre milhares”. E nós, a quem queremos dar o nosso amor? Entre todos os amigos deste mundo, onde encontraremos amigo mais amável, mais fiel e mais amante do que Deus? Roguemos-lhe, pois, e roguemos-lhe incessantemente: Trahe me post te (2) — “Leva- me após ti”. Senhor, atraí-me a Vós, pois que sem vosso auxílio não posso chegar-me a Vós.

II. Diz Santo Agostinho que, quem possui a Deus, possui tudo, e que não tem nada o que não possui a Deus. De que serve ao rico a posse de todos os tesouros de ouro e pedras preciosas, se não possui a Deus? De que serve a um monarca o domínio sobre muitos reinos, se não possui a graça de Deus? De que servem ao sábio a sua grande sabedoria e as muitas línguas, se não sabe amar a seu Deus? Quando Davi, sendo rei, estava em pecado, percorria os seus jardins, ia à caça, procurava outros divertimentos; mas afigurava-se-lhe que todas as criaturas lhe perguntavam: Ubi est Deus tuus? (3) — “Onde está teu Deus?”. Queres achar tua satisfação em nós? Vai, busca a Deus, a quem abandonaste; Ele só te pode contentar. Por isso confessou depois que no meio das delícias não tinha achado a paz, e que chorava noite e dia ao pensar que estava sem Deus (4).

Entre as misérias e penas deste mundo, quem nos poderá consolar melhor que Jesus Cristo? Ó loucura dos mundanos! Encontra-se mais consolo numa lágrima derramada pela dor dos próprios pecados; vale mais um “Meu Deus!” dito por uma alma em estado de graça, do que mil bailes, mil teatros, mil banquetes conseguem contentar o coração amante do mundo. Seja, portanto, Deus só todo o nosso tesouro, todo o nosso amor; seja nosso único desejo o contentarmos a Deus, que não se deixa vencer em amor. Deus recompensa cem por um cada coisa que fizermos para lhe agradar. Cada ato intensivamente perfeito de amor para com Deus, nos faz adquirir novo merecimento igual ao dantes já adquirido.

Ó meu Deus, sede Vós o grande objeto de meu amor! Assim como Vos prefiro no amor a todas as coisas, fazei que em tudo prefira o vosso agrado a todas as minhas vontades. Meu Jesus, ponho a minha confiança em vosso Sangue, e proponho, para o tempo de vida que me resta, não amar neste mundo senão a Vós, para ir um dia possuir-Vos para sempre no Reino dos bem-aventurados. Ó Virgem Santíssima, socorrei-me com as vossas poderosas orações, e fazei que possa ir beijar vossos pés no paraíso.

Referências: (1) Ct 5, 10. (2) Ct 1, 3. (3) Sl 41, 11. (4) Sl 41, 4.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até à Undécima semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 404-406)

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